Conhecendo o Sr. Arlindo

Sr. Arlindo - Que faz o Memorial Parque Jaraguá

– Sr. Arlindo, se apresente, por favor
Eu sou Arlindo Matias Pereira, vou fazer 62 anos em 1º de Setembro. Sou paraibano, de uma cidade chamada Arueira. Sou casado, tenho duas filhas e duas netinhas. A menor nasceu faz 15 dias.

– Como se chamam suas filhas?
Uma é Ana Carolina e a outra é Erika. A mais nova, se formou em direito.

E as netinhas?
A mais velha, Catarina, tem 4 anos e está na escolinha. Outro dia ela chegou e e falou “vovô eu amo muito você“. A mais nova tem 15 dias que nasceu.

– Quanto tempo faz que está em São Paulo?
Faz 38 anos e há 23 anos que trabalho no Memorial Parque Jaraguá.

– Como foi sua vinda para São Paulo?
Eu pensava em vir para cá, mas eu não tinha condições. Aí um dia apareceu um amigo meu e falou que viria para para São Paulo e poderia me trazer. Ele vinha para a casa da sogra e eu fiquei também. Fiquei um mês parado, mas depois o sogro dele arrumou um serviço para mim, onde fiquei 6 anos e meio. Mas tive que sair de lá porque ela mudou para o interior, então tive que sair porque era muito longe.

– Como você chegou aqui no Memorial?
Na época eu trabalhava de pedreiro e fazendo uns bicos, e tinha um amigo meu que trabalhava aqui. Aí eu falei assim: Sr. Cláudio, quando lá estiver pegando, você dá um toque para mim, para eu entrar lá e quando foi no dia 12 de março de 2001, uma terça-feira, ele chegou e falou assim tá pegando lá, se você quiser ir” e fui logo.
Quando cheguei aqui, tinha doze pessoas na minha frente, na fila. Só que eu não sabia fazer a ficha né, aí um conhecido lá na portaria preencheu a ficha para mim.
Eu sendo o 13º, chegou a vez de cada um, o encarregado chegou e olhou assim, e falou: uai eu vou te pegar, mas eu não fui muito com a sua cara (risos). Aí eu disse, não tem problema isso, a gente tem que ouvir de tudo.
Dessas 12 pessoas, ficaram apenas 4, os outros foram tudo embora. O serviço era grosseiro demais, os outros não aguentaram. Aí fiquei, era só poeira e mato, e nós fomos capinando, fomos fazendo, fazendo terreno, plantando grama e continuamos. Ao longo do tempo, os outros também saíram e dessa turma, só fiquei eu.


– O que o Sr. faz hoje aqui?
Ah, eu faço tanta coisa, viu? Já cuidei de jardinagem, eu faço essas placas, faço as gramas, plantamos árvores, de tudo um pouco eu fiz aqui. Na hora que precisa e fala: vamos fazer tal coisa, eu tô indo.

– Nesses 23 anos mudou muita coisa aqui, né?
Mudou muito. Quando eu entrei aqui, as quadras que tinham, era uma quadrinha pequena ali, lá da frente, não tinha nada lá para baixo, estava começando a fazer.
Eu fui para a Lapa, aí eu fiquei muito tempo lá, quando eu cheguei de lá e vim para cá, eu achei até estranho ver esse mundão de coisa aqui, tudo feito. Eu que plantei aquelas árvores lá na época. Quando fui para o escritório na Lapa estavam todas pequenas, e agora estão desse tamanho. O córrego era livre, tudo aberto.

– Que construções o Sr. fez aqui?
Muitas… esses muros ao redor do Jaraguá fomos nós que construímos, carregamos as estacas para fazer os muros pois eram tela, hoje é tudo bloco. Fizemos a galeria, que antes era só no riacho que não tinha como passar, e a galeria nós fizemos tudo, foi tudo passado pela nossas mãos aqui, pela minhas mãos e de outros também.
Tudo o que precisar, eu faço: plantação de grama, de árvores, terraplanagem, muro, asfalto, fizemos o nosso novo refeitório recentemente.
Em todas as obras, eu sempre estou envolvido: as ruas, aqueles muro de pedra tudo foram passados na minha mão, não tem aqueles muros de pedra redondo? Foi tudo eu e outras pessoas. Aquelas palmeiras, nós carregamos elas nas costas pequenas, olha o tamanho delas hoje! Aí quando eu vejo o tamanho daquelas palmeiras, eu digo nossa, que palmeira! Eu digo que eu carreguei nas costas mais o menino aqui, pé por pé para plantar aqui. A gente fala e a turma não acredita.

– Quando o Sr. fala que trabalha em um cemitério, as pessoas estranham, fazem perguntas?
O povo pregunta por que você trabalha tantos anos lá?, eu digo que o que vale é a simpatia das pessoas, a educação, e conversar com a gente, considerar as pessoas. Eu trabalho aqui por que gosto, e a simpatia do povo, que é gente boa, me considerou bem, é um povo educado, sabe conversar com a gente, sabe falar com a gente. A gente se anima em trabalhar com um povo assim, eu gosto de trabalhar. A gente também tem que ser humilde também, a gente não pode ser do jeito que muitos são. Por isso que eu estou aqui até hoje. Estou aqui há 23 anos, e se puder vou ficar aqui até… cansar.

– O que te perguntam sobre trabalhar em um cemitério?
Pois é, muita gente já perguntou pra mim, como é que tu trabalha em um cemitério?, eu digo que não tem nada a ver cemitério, aqui é uma firma qualquer. Todas as firmas que tem por aí, é a mesma coisa, não tem nada a ver. Só por que o nome é cemitério, isso aí não quer dizer nada. Eu recebo salário, paga bem, paga certinho, paga em dia, é ótimo, é legal, por isso que eu estou aqui.

E sobe o espaço, o que o local traz para o Sr.?
Trabalhar um lugar rodeado de natureza é bom que distrai a gente, só de você ficar olhando para a natureza você já distrai sua mente. Tem os animaizinhos, os bichinhos, tem dias que eu até cuido deles, trago frutas para eles. Aparecem aqueles macaquinhos, lagarto, é gostoso trabalhar em um lugar assim, né? Aí o povo pensa que é coisa de sete cabeça, mas não é. É por que as pessoas não tem costume e acham que é coisa de sete cabeça mas não é. É por que as pessoas não tem sentimento com as coisas, mas quem tiver, se entrar vai gostar. Tem árvore para você, tem sombra, tem tudo, e cada dia está ficando melhor.

– Tem algo nesses 23 anos que marcou o Sr.?
O que me marcou foi quando eu entrei aqui, foi aquela obra lá em baixo, aquela construção. Quando eu entrei e vi o salão, eu falava nossa, que coisa bem feita! Eu comecei a trabalhar ali, fazendo aquelas paredes, aquelas coisas, coisas que eu nem pensava que iria fazer. Isso me marcou muito, e a simpatia da pessoa que me colocou lá.

– Quando finalizou, o Sr. sentiu orgulho?
Senti, senti porque quando a pessoa fala: mas foi tu quem fez?, eu digo: foi essas mãos aqui.

– Se pudesse, em poucas, palavras falar da gratidão de trabalhar aqui, o que diria?
Eu falo muito bem daqui, e sempre falei. Por que foi aqui onde eu arrumei as minhas coisas, minha casa, criei minhas filhas, hoje eu tenho neto, tenho casa para elas morarem com os filhos, tem tudo, e foi tudo dinheiro daqui. Aí eu só tenho o que agradecer e gostar de uma empresa dessa. Agradeço todo dia pelo pão que eu levo daqui, eu tenho meu almoço, minha janta, meu café, tudo daqui.

– Se fosse voltar no tempo, nesses 23 anos, começaria tudo de novo?
Faria tudo de novo! Não comecei antes porque não tive a chance, mas caso contrário eu estaria aqui desde o começo.

– Como começou essa brincadeira de Bigodinho de Ouro?
Isso é brincadeira de quando o Sr. Álvaro começou aqui. Ele chegou, aí ele me viu o primeira vez, e ele falou assim olha vou te chamar de bigode de ouro, mas tu não leva a mal não, e eu digo que sei que isso é brincadeira. Nós estamos aqui para brincar mesmo, porque se a gente for levar tudo a ferro, nós estamos ferrados.

– No final do ano, o Sr. foi homenageado pelo tempo de casa, o que o Sr sentiu?
Rapaz eu vou falar para você, eu fiquei mais baixo que isso aqui, eu fiquei lá em baixo, fiquei sem nada, sem disposição para nada, mas dá aquela força, deu aquela emoção. Fiquei com vontade de falar, mas a coragem não dava.

– E a plaquinha?
Está em casa, eu guardei ela e está lá, pode passar 100 anos e ela vai ficar lá. Quando cheguei em casa, mostrei para esposa, que toda orgulhosa chamou minha filha para ver a homenagem que recebi. Ela disse: o Memorial é bem caprichoso viu, gostei do jeito que eles fizeram.

– O Sr. se considera um homem realizado?
Me considero porque quando eu vim para cá, para mim eu não teria chance de nada, por causa que eu não tinha estudo, a gente em um lugar desse, que nem São Paulo, é a mesma coisa que jogar a gente em um buraco e você não vai saber o que vai acontecer com você, né? Mas pelas pessoas, pelo povo que sempre andei junto, e sempre me acompanhou, sempre foi um povo que eu tiro o chapéu para as pessoas que me considerou.

– Quando falaram de fazer uma entrevista, qual foi a sensação?
Ah eu agradeço, porque eu sempre tive vontade de falar as coisas, mas naquela palestra que teve lá no centro, eu fiquei todo enrolado…E agora eu tive essa chance, por isso eu agradeço a vocês.

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